quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

"EMOÇÕES E SISTEMA IMUNOLÓGICO"

UM OLHAR SOBRE A PSICONEUROIMUNOLOGIA

Ângela da Costa Maia
Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, Portugal

A disciplina designada por Psiconeuroimunologia é o campo científico que investiga as ligações entre o cérebro, o comportamento e o sistema imunológico, bem como as implicações que estas ligações têm para a saúde física e a doença (Kemeny & Gruenewald, 1999). A hipótese base deste modelo é que os stressores psicossociais diminuem a eficiência do sistema imunológico o que leva ao aumento de sintomas médicos (risco de uma doença).

Depois do estabelecimento da relação global entre acontecimentos e problemas de saúde, muitos estudos têm procurado analisar o impacto dos acontecimentos de vida sobre a saúde em função dos fatores psicológicos.

Este modelo assume que a mudança imunológica é mediada por fatores como a ativação do SNC, a resposta hormonal e a mudança comportamental, em função das características e estado psicológicos. As ligações entre o SNC e o sistema imunológico foram identificadas nomeadamente pela observação de que linfócitos como as NK têm receptores para os neurotransmissores. Vários autores encontraram igualmente ligações entre o sistema imunológico e o endócrino através do efeito de diferentes mediadores hormonais como catecolaminas (epinefrina e norepinefrina), cortisol, prolactina, ACTH, TSH, hormona do crescimento ou opiáceos endógenos, hormonas que estão relacionadas com a resposta ao stress.  Além disso, existe enervação simpática e parasimpática dos órgãos linfóides. Por seu lado alguns comportamentos que são associados a características psicológicas ou são respostas ao stress podem influenciar o sistema imunológico: práticas de saúde más como fumar, dieta inapropriada e sono perturbado diminuem a resposta imunológica.
 

Podemos dividir as investigações que analisaram a relação entre os fatores psicológicos e a saúde e/ou a eficiência imunológica em quatro grupos:  
1.   Os que estudaram o efeito das situações de stress (quer em condições naturalistas, quer em laboratório);
2.   Os que estudaram o efeito do afeto, nomeadamente o humor triste e a depressão;
3.   Os que estudaram o efeito das características de personalidade;
4.   Os que estudaram a importância das relações interpessoais.


Alguns autores têm sugerido que os acontecimentos traumáticos confrontam o sujeito com informação que é inconsistente com o modo como normalmente organiza a informação e exigem parte deste um trabalho para integrar a nova informação.

Experiências traumáticas são uma ameaça aos esquemas com que a pessoa organiza o mundo e a si próprio, pondo em causa as suas crenças básicas sobre a existência de um mundo previsível e a sua dignidade e eficácia como participante da sociedade. Para lidar com essa ameaça é necessário reformular estas idéias e redefinir a si próprio e ao seu mundo. Isto implica um trabalho ativo de pensar quer sobre o acontecimento, quer sobre os pensamentos e sobre as emoções a ele associado.

A idéia de que esta construção de significado aumenta a adaptação psicológica tem sido defendida por vários autores tendo Afflect, Tennen, Croog e Levine (1987) encontrado um efeito sobre a saúde: os sujeitos que reorganizaram a vida e perceberam benefícios do fato de terem sido vítimas de um ataque cardíaco (mudando os seus valores e filosofia de vida) revelaram menos probabilidade de ter um novo ataque.

Em suma, alguns estudos sugerem através das experiências que desafiam as concepções com que o sujeito antes organizava o mundo, a capacidade de dar um significado positivo à experiência parece estar relacionada com efeitos positivos a sua saúde e ao sistema imunológico.

Ainda que o trabalho individual de pensar e elaborar os significados dos acontecimentos traumáticos seja uma dimensão importante ou mesmo suficiente para alguns sujeitos, é na interação com os outros e na elaboração dessas experiências através da linguagem que as respostas fisiológicas e emoções podem ser melhor articuladas e integradas. Ou seja, a forma mais natural de dar sentido e integrar os acontecimentos de vida é através da utilização da linguagem e da partilha com outros. Falar permite a comparação social, integrar pontos de vista alternativos e, especialmente, contribuir para a organização das imagens e das respostas fisiológicas e emocionais sob uma forma narrativa de modo a dar continuidade e assim assimilar as dimensões cognitivas com as emocionais num todo articulado. Deste modo as respostas fisiológicas e emocionais relacionados com uma experiência, muitas vezes repetidamente ativadas de forma caótica sob a forma de intrusão ou ativação emocional ficam sob o controle do sujeito autor, e não apenas vítima, da experiência.

Sendo falar a forma mais natural de lidar com uma experiência traumática, há, no entanto, situações em que por razões relacionadas com o tipo de experiência vivida ou o contexto interpessoal, o sujeito não encontra condições para falar. Alguns traumas dificultam a partilha por causarem constrangimento, humilhação, vergonha ou mesmo culpa ao próprio sujeito.

Se a psicoterapia for entendida como suporte social e uma oportunidade para acelerar o processamento das experiências, ela terá, com certeza, um efeito positivo sobre o funcionamento imunológico. Lidar com acontecimentos negativos exige a utilização de estratégias de coping que passam por uma série de fases mais ou menos previsíveis e a psicoterapia constitui uma forma de realizar as tarefas de modo a diminuir as consequências negativas. De fato a psicoterapia pode ser concebida como forma de acelerar o processo de lidar com as experiências negativas e prevenir os potenciais efeitos nefastos de uma determinada experiência.


Fonte: Psicologia: Teoria, investigação e prática. (2002)




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